quinta-feira, 22 de março de 2012

Poema "Mãe Água..".

"Mãe Água

Água minha
água viva, eu sua filha
eu sua amiga
te canto essa cantiga
me banho em tua sina
Batismo meu
vizinha da montanha
alma desejada dos desertos
dona da vida
majoritária do planeta cujo nome é terra
carne de minha letra
lagoa seca de minha pedra
Madrinha de minha canoa
onda, silêncio, curso, margem, viagem, garoa
sou eu quem te chama, água
sou eu quem te inflama
Água, quantas vezes me fervo em ti me comovo
meu amor, meu temor, meu tesouro
tudo em mim em tuas caudalosas mãos ebule
tudo em mim é,
em ti expande, alvoroça, arde, evapora
Xícara, pressão panela e bule
Tudo onde comece e dure
há de por ti passar, gerar acontecer-se
Todo cacto é mundo silencioso e grávido de ti
Todo toró, todo rouxinol
caiu ou voou alguma vez em tua razão ou em teu nome
Todo ciclone te imita em balé e espiral
do movimento da onda
da intimidade do mar
É lá que todos os ventos se veem e se fazem
Sempre
Não é uma etapa
nem é uma fase
é dever de casa de Deus, é exercício eterno, é bênção de aprendizado e modo
portanto oásis
é lá que se fazem eficazes
todas as peripécias do ar
É onde o vento se sente menos anônimo e se pode menos ausente,
menos fantasma, menos transparente.
Ó água do rio e do mar, tu és quem o torna visível e decente.
Olha-se pra água, logo se diz:
hoje há um forte sudoeste.
Em ti, rainha, tudo transparece.
Água nossa de cada dia
Nada existe à tua revelia
nada há que não beba, sorva, respire e exista sem tua companhia:
Neném homem mulher criança marido amante
tudo nasce do caldo fertilizante de tua substância
nada, nenhum lugar, nenhum inhame, nenhuma instância é possível
sem tua semelhança
tua consistência fluida, tua abundância
Sangue, saliva, suor, urina, afluentes e o Amazonas
Sêmen, lágrimas vaginais, orvalho e Tejo
Tudo isso eu invejo
Coriza tempestade inundação ressaca enchente
Por tudo isso eu rezo
Ó Mater, Ó redoma
A tudo isso eu temo

Água, rainha do mundo
Vós que nos circulai veia artéria e matrona
Poupai-nos de sua ira
Por todos os peixes que pescamos
Por todas as pérolas
Por todas as ostras das quais nos enfeitamos
Por todas as poluições onde nos traímos e nos acabamos
Perdoai-nos
Limpai-nos de nós o vosso mar
Yemanjá afastai-nos errantes ingratos do vosso altar
Mas não lambei com vossa vasta molhada língua o nosso lar
nosso castelo de areia
Oh Sereia
Não deixai que em ti seja pecar.
Ontem me contaram que o mar o que quer escolhe
o que não quer devolve
e aquilo que deseja engole
Água, imperatriz da prole
Oxum do juízo, dos seixos, dos estilos das estações
usai nossos perdões para salvar-nos
Conchas caracóis areias e similares
fofoquem com os oceanos
confabulem com as algas
façam lobby com outros mares
pra que cada folha d'água
cada pingo cada enseada, angra açude igarapé
seja água firme, terra firme e dê pé

Água vida minha
Saúde
Útero e ataúde
que tua raiva em barrancos
que a riqueza e seus avanços
que a pobreza e seus tamancos
sejam do mundo a mulher
Igual a ti
melhorada de ti, lavada de ti
Purificado macaco
Purificada Eva
Purificado Adão
A humanidade seja a consciência de Noé:
metade saltimbanco limpo e solto
outra metade fé."

(escrito por Elisa Lucinda)

Repassado  pela amada Lia de Oliveira!