sexta-feira, 29 de março de 2013

Carta de Amor




Não mexe comigo, que eu não ando só,
Eu não ando só, que eu não ando só.
Não mexe não! (2x)

Eu tenho Zumbi, Besouro o chefe dos tupis,
Sou tupinambá, tenho os erês, caboclo boiadeiro,
Mãos de cura, morubichabas, cocares, arco-íris,
Zarabatanas, curare, flechas e altares.
À velocidade da luz, no escuro da mata escura, o breu o silêncio a espera.
Eu tenho Jesus, Maria e José, todos os pajés em minha companhia,
O Menino Deus brinca e dorme nos meus sonhos, o poeta me contou.

Não mexe comigo, que eu não ando só,
Eu não ando só, que eu não ando só.
Não mexe não! (2x)

Não misturo, não me dobro.
A rainha do mar anda de mãos dadas comigo, 
Me ensina o baile das ondas e canta, canta, canta pra mim.
É do ouro de Oxum que é feita a armadura que guarda meu corpo,
Garante meu sangue, minha garganta.
O veneno do mal não acha passagem
E em meu coração Maria acende sua luz e me aponta o Caminho.
Me sumo no vento, cavalgo no raio de Iansã, giro o mundo, viro, reviro.
Tô no recôncavo, tô em Fez.
Voo entre as estrelas, brinco de ser uma, traço o cruzeiro do sul com a tocha da fogueira de João menino, rezo com as três Marias, vou além, me recolho no esplendor das nebulosas, descanso nos vales, montanhas, durmo na forja de Ogum, mergulho no calor da lava dos vulcões, corpo vivo de Xangô.

Não ando no breu, nem ando na treva
Não ando no breu, nem ando na treva
É por onde eu vou, que o santo me leva
É por onde eu vou, que o santo me leva (2x)

Medo não me alcança.
No deserto me acho, faço cobra morder o rabo, escorpião vira pirilampo.
Meus pés recebem bálsamos, unguentos suaves das mãos de Maria
Irmã de Marta e Lázaro, no Oásis de Bethânia.
Pessoa que eu ando só, atente ao tempo. Não começa, nem termina, é nunca é sempre.
É tempo de reparar na balança de nobre cobre que o rei equilibra, fulmina o injusto, deixa nua a Justiça.

Eu não provo do teu fel, eu não piso no teu chão,
E pra onde você for, não leva o meu nome não
E pra onde você for, não leva o meu nome não (2x)

Onde vai valente?
Você secou, seus olhos insones secaram, não veem brotar a relva que cresce livre e verde longe da tua cegueira.
Seus ouvidos se fecharam à qualquer música, qualquer som, nem o bem, nem o mal, pensam em ti, ninguém te escolhe.
Você pisa na terra mas não sente, apenas pisa.
Apenas vaga sobre o planeta, e já nem ouve as teclas do teu piano.
Você está tão mirrado que nem o diabo te ambiciona, não tem alma.
Você é o oco, do oco, do oco, do sem fim do mundo.

O que é teu já tá guardado.
Não sou eu quem vou lhe dar,
Não sou eu quem vou lhe dar,
Não sou eu quem vou lhe dar.(2x)

Eu posso engolir você, só pra cuspir depois.
Minha fome é matéria que você não alcança.
Desde o leite do peito de minha mãe, até o sem fim dos versos, versos, versos, que brotam do poeta em toda poesia sob a luz da lua que deita na palma da inspiração de Caymmi.
Se choro, quando choro, e minha lágrima cai, é pra regar o capim que alimenta a vida, chorando eu refaço as nascentes que você secou.
Se desejo, o meu desejo faz subir marés de sal e sortilégio.
Vivo de cara pra o vento na chuva, e quero me molhar.
O terço de Fátima e o cordão de Gandhi, cruzam o meu peito.
Sou como a haste fina, que qualquer brisa verga, mas nenhuma espada corta.

Não mexe comigo, que eu não ando só
Eu não ando só, que eu não ando só(2x)
Não mexe comigo!

(Maria Bethânia)a)

terça-feira, 26 de março de 2013

As Comidas Oferecidas ao Orixá


Para que realmente os Orixás recebam e fiquem satisfeitos com as oferendas alimentícias, popularmente chamadas de "comida de santo", é fundamental entender o significado e a essência da comida litúrgica. De fato, as divindades não comem a comida em si apresentada, mas sim, absorvem toda energia depositada desde o preparo, até ao momento da entrega. Este princípio resulta nos preceitos e fundamentos que permeiam a elaboração das comidas de  santo.
 É necessário dedicar amor desde a colheita a compra dos ingredientes. Antes de iniciar o preparo seu corpo e alma devem estar limpos. Faz-se necessário tomar um banho de folhas, vestir-se adequadamente com as indumentárias religiosas, entrando inteiramente no ambiente espiritual do terreiro.
Concentrar-se totalmente no preparo, emanando fé, amor e respeito, é o tempero que verdadeiramente contemplam as divindades. Por essa razão, no momento do preparo, seus pensamentos devem ser de doação, sempre com intuito de agradar aos Orixás. Para que não haja intervenções de energias não desejadas faz-se necessário o silêncio absoluto, que só pode ser quebrado por cânticos sagrados na intenção de homenagear a divindade. É exatamente por estes motivos que as cozinhas dos terreiros tradicionais de candomblé são extremamente restritas às pessoas da mais alta responsabilidade religiosa.
Estas cozinhas tradicionais...
 utilizam uma ampla variedade de recursos e equipamentos naturais como, fogão a lenha ou carvão, pilão para triturar alimentos, colheres de pau, pratos de barro dentre outros. Isto se faz necessários, pois quanto maior o uso de elementos extraídos diretamente da natureza, maior é a energia envolta no preparo. Além disto, dão um sabor inigualável às comidas típicas dos terreiros!
Contudo, além destes critérios, é fundamental o conhecimento das propriedades espirituais e enérgicas de cada ingrediente, assim como a sua associação particular com cada orixá. A citar como exemplo, um dos ingredientes oferecidos a Ode, divindade da caça, é o milho, mas não por acaso. Esta atribuição dá-se em virtude do milho representar no mundo espiritual a fartura, que esta associada diretamente a qualidades deste Orixá enquanto provedor de alimento. Assim por diante originou-se o complexo código da milenar, vasta e diversificada "comida de santo".
O segredo envolto ao preparo está ligado à preservação da energia contida na oferenda. Para não correr o risco de interferências de pensamentos ou o absorvimento de alguma força não desejada, os alimentos depois de prontos são imediatamente cobertos por uma toalha branca, protegendo também de sujeiras naturais. Esta tolha só é retirada no momento da apresentação da oferenda aos pés da divindade. Momento onde a comida sacralizada é oferecida, representado amor, respeito, carinho e devoção do (a) devoto (a) ao Orixá.

(Ilé Asé Osumaré)

quinta-feira, 14 de março de 2013

Garrafas e Plásticos


A Natureza, a Terra e tudo nela existente, é o nosso sagrado. A energia dos elementares essenciais à vida é chamada de Orixás, nossas divindades. De fato, a natureza e todos os seus fenômenos correspondem às nossos Orixás.
Nossos ancestrais aprenderam a evocar essas energias e se beneficiarem dos seus poderes! Por milênios, através de oferendas, os Orixás são cultuados, possibilitando que sejam abertos os canais de intercomunicação entre o humano e o sagrado. As oferendas têm o intuito de presentear, agradar e principalmente mostrar respeito e reverência à natureza, à vida, aos Orixás.
Mister se faz que estas oferendas sejam cuidadosamente apresentadas aos seus destinatários, sob pena de não serem recebidas, sob pena de não permitirem o intercâmbio e a passagem das energias. Esta apresentação, em verdade, deve ser feita por sacerdotes devidamente preparados e principalmente com o conhecimento necessário para não despertar a ira da Natureza!...
Hodiernamente, têm sido constatadas inúmeras agressões à natureza, e a nosso liturgia tradicional. Este fato acontece quando as oferendas poluem e degradam o meio ambiente. Garrafas de vidro, copos e pratos plásticos não fazem parte dos instrumentos litúrgicos!... Alguidares de barro e pratos de porcelana são exclusivamente para oferendas realizadas dentro dos terreiros de candomblé.
Com toda certeza estas oferendas que estão poluindo rios, cachoeiras, praias, matas, estradas, praças e esquinas, não estão sendo realizadas por pessoas preparadas e conhecedoras dos princípios e fundamentos das religiões de matriz africana. Estas pessoas não têm responsabilidade espiritual e sócio-ambiental e estão desrespeito aos nossos Orixás e transmitindo uma péssima e falsa impressão do que é a liturgia afro.
E o pior é que a autoria destes atos anti-litúrgicos, por vezes, pode recair sobre as religiões de matriz africana, gerando graves consequências de ordem social, moral e política e fomentando o preconceito. Isto incentiva que sejam elaboradas leis inconstitucionais – porque ferem a liberdade de culto!
Em nossa cultura e religiosidade as oferendas devem ser integradas à natureza, de forma a potencializar as belezas naturais! Os ingredientes e componentes utilizados têm que ser consumidos pela natureza – até como prova de aceitação!.. Precisam ser absorvidos pelo solo, pelas águas, mata, etc. Este é um dos pilares fundamentais das oferendas realizadas na natureza. Foi este o conhecimento transmitido por nossos ancestrais!...
Folhas de banana, mamona, cabaça, balaios confeccionados com palhas, raízes, sacolas produzidas com palha de palmeiras são os recipientes apropriados para oferendas em florestas, matas, rios e tantos outros lugares que são morada de Orixás.
Fazer oferendas é um direito inquestionável!... O exercício da fé esta assegurado pela Constituição Federal, mas é nosso dever não 'sujar' o espaço onde outras pessoas vivem!...
O respeito ao espaço sagrado da natureza também é uma maneira de agradecimento pela vida que nos foi legada por Olodumare, o nosso Deus único que nos presenteou com a Natureza, que permitiu que a força do sagrado adentrasse a terra, as raízes e as ramagens das plantas! ... Axé!


(Ilé Asé Osumaré) 

quinta-feira, 7 de março de 2013

O Diabo, Desconhecemos esta Entidade


O Texto Bíblico do Livro de Ezequiel, no capítulo 28 v 12 a 19 mostra que Satanás era um anjo que se rebelou, posto que queria estar acima de Deus. Em razão disso, o mesmo foi expulso do Éden.
Esta passagem bíblica demonstra o quanto o cristianismo explora a existência do bem e do mal, numa visão maniqueísta, atribuindo todo bem a Deus e todo mal ao demônio, lúcifer, diabo, satanás, ou qualquer outra nomenclatura criada para caracterizar tal entidade.
A referida divisão do mundo entre o bem e o mal, tão difundida há tempos, encontra-se presente também nas mais singelas concepções defendidas pela Igreja Católica. Como exemplo, podemos citar a visão maniqueísta presente na própria concepção da relação sexual. Expliquemos: para os católicos tal prática possui uma única finalidade, a procriação. Desta forma, toda manifestação sexual que não tem este objetivo é interpretada como um dos sete pecados capitais, a luxúria (apego e valorização extrema aos prazeres carnais, à sensualidade e sexualidade; desrespeito aos costumes; lascívia) passível de condenação ao inferno, espaço eterno de sofrimento, comandado pelo mal, tendo o demônio como o seu comandante e sedutor de almas...
No caso específico do Brasil, tal concepção maniqueísta surgiu no momento da chegada dos colonizadores europeus, de tradição eminentemente cristã, que enxergavam os povos africanos como seres animalescos, e desprovidos de alma. Deste modo, sua cultura, costumes e religiosidade não recebiam nenhum tipo de respeito, atenção ou reconhecimento dos brancos. Ao contrário, as resistentes manifestações religiosas eram vistas como inferiores, negativas, desprovidas de razão, atitude típica da visão eurocêntrica e etnocêntrica dos conquistadores.
O processo de escravização dos negros em nosso país, resultado da grande diáspora africana, e a maior aproximação dos brancos com as manifestações religiosas afrobrasleiras, fez com que os colonizadores identificassem nestas práticas ancestrais a dualidade cristã do bem e do mal, sem jamais perceber que na cosmologia das religiões dos orixás, em verdade, esta relação inexiste, visto que estes seres representam os elementos da natureza (fogo, chuva, vento, água, etc.) e trazem em seus comportamentos um equilíbrio entre as forças do bem e do mal.
Como não podia deixar de ser, a visão dualista do bem e do mal defendida pela teologia cristã tenta encontrar uma representação na religião de matriz africana. O ser representante do mal absoluto, equivalente, desta forma, ao satanás, é nesta visão o Exu, uma entidade do panteon afrobrasileiro que é apresentado com um grande falo ereto, em tamanho desproporcional, como marca do poder e da fertilidade. Em verdade, este ser, é sensual, astucioso, provocador, esperto, ousado, matreiro, ou seja, apresenta como os demais orixás emoções e sentimentos tais como os seres humanos, sem, contudo, ser um representante da oposição absoluta do bem.
Ignorando a real representatividade da figura e da personalidade de Exu para o Candomblé, os cristãos, desrespeitosamente, elegeram Exu como o demônio das religiões de matrizes africanas, para inclusive reforçar o discurso de que o Candomblé era um ritual demoníaco, uma vez que Exu era reverenciado antes de qualquer outro orixá, em todos os rituais.
Para o Candomblé, entretanto, o bem e o mal fazem parte de um único sistema, onde todas as forças, mesmo antagônicas são equivalentes, complementares e interagem, sendo, portanto dado ao ser humano o livre arbítrio e a responsabilidade de optar pelo caminho a seguir.
Na visão do Candomblé, o Exu é o fiscalizador do axé, do comportamento humano, das coisas que são feitas no candomblé, recebe as oferendas em primeiro lugar.
Exu é caminho, é comunicação, é vida, é luz e o guardião da nossa casa, é quem abre os caminhos, o primeiro a receber as oferendas para livrar os homens do mal.
Assim sendo nenhuma relação pode ser feita entre exu e o diabo porque, inclusive, o candomblé não cultua diabo e sim orixás (forças da natureza) presente cotidianamente na nossa vida, dando paz, luz, prosperidade, alegria, fartura, justiça, igualdade educação e axé.

(Ilé Asé Osumaré)